Estado Hipnogógico e a criação de uma coletânea

O que esperar do desconhecido?

Tenho escrito pouco, nos últimos anos. De 2019 para cá, escrevi O Lago Aruá (que foi publicado pela Corvus e já deixou a publicação) Abrakadabra, Schizophrenia, O homem que cantava para os andróides de carne (que está na coletânea Alma Artificial, da Cartola Editora) e La Mazka. Confesso que tenho dúvidas se uma novela e cinco contos traduzem esse “pouco”.

Fato é que, pessoalmente, sinto como se estivesse diminuindo em produtividade. Talvez por ter escrito muito mais para a publicidade do que para a literatura nesse período ou porque a pandemia distorceu minha noção de tempo. Dito isso, passei a redescobrir algumas coisas sobre a minha escrita e meus processos.

Quando não tinha tanto referencial teórico e referências de estilos e possibilidades como tenho hoje, o que dava inspiração para o que escrevia vinha de notícias de jornal ou histórias curiosas que descobria em livros acadêmicos, revistas e sites por aí. Nesse período nasceram uma série de contos (todos não se encontram mais em publicação) que, vendo agora, não traduziam o que eu queria escrever.

Hannover, Mordrake, Tsavo, Castelo e A Vila foram histórias que, claro, me ajudaram a evoluir com relação aos traquejos para escrever. Mas eram histórias mais simples, menos inspiradas (tanto que até os nomes eram mais genéricos) e, por conseguinte, menores. Por isso retirei todas elas da Amazon.

Mas essas histórias também me deram confiança para tentar diversos editais. Ao todo, participei de dez coletâneas e antologias por sete editoras diferentes num intervalo de 3 anos. É muita coisa. Participar desses projetos trouxeram uma série de benefícios: conheci pessoas, fui indicado a um prêmio, fiz parte de uma coleção de melhores do ano e consegui levar um pouco da Feira de Santana que trago nas minhas histórias pra pessoas diferentes.

A primeira experiência com uma antologia literária que tive foi através da Editora Luva, num projeto chamado Rio Vermelho. À princípio, cada um dos autores faria um conto isolado, mas as coisas mudaram e nasceu um romance coletivo. No meio das discussões sobre o que seria escrito (e o que cada um escreveria), eu fiquei com o primeiro capítulo (na base do sorteio). A história/capítulo que fiz se chamava A mulher sem rosto. Vamos guardar essa informação por enquanto.

Uma das características desses projetos, aliás, é englobar todas as histórias dentro de um mesmo universo, mais até do que somente em gênero literário. Antologias sobre desaparecimentos de aviões ou conventos dominados por demônios da Goécia são algumas das temáticas de projetos que já participei, por exemplo. E é difícil se enquadrar em algo que… não é sua praia. Enquanto autor negro e nordestino, eu precisava entrar em alguns espaços e tinha que jogar a regra do jogo. Me dei bem várias vezes, mas pessoalmente, eu odiava ter que me limitar a tantas regras e coisas que não foram criadas por mim. Me sentia como se estivesse girando em outra rotação.

Algumas coisas mudaram. Eu me mudei pra uma cidade e realidade mais hostil do que tinha na Bahia, passei a ver coisas com outros olhos, o sertãopunk nasceu e tudo isso serviu pra eu olhar um pouco mais pra mim mesmo e chegar na conclusão que, durante a maior parte do tempo que estive como escritor, eu pouquíssimas vezes tinha feito algo que acreditava.

Acreditar, nesse sentido, não é sinônimo de gostar. Ler algo feito por você e achar aquilo bom é uma coisa. Ler algo feito por você e sentir que você fez o que queria e se ver naquele material é diferente. Essa segunda sensação me faltava.

Pensei, então, em fazer algo de novo de um jeito diferente. Daí nasceu a ideia de Estado Hipnogógico.

O desconhecido.

Eu leio todos os meus contos na terapia. Tanto os já publicados quanto os inéditos. Minha escrita é muito pessoal. Várias vezes eu coloco nas histórias (quase sempre, na verdade) são coisas que já aconteceram comigo ou que estão acontecendo naquele momento. Ter esse momento de leitura me ajuda a fazer outras sinapses e chegar em coisas novas.

Um dos pontos que a gente levantou era sobre criaturas em minas histórias e como sempre que queria representar o desconhecido como algo sem rosto. A minha primeira publicação em antologias é A mulher sem rosto, inclusive. Pra mim, essa ausência de identidade abre possibilidade pro desconhecido ser qualquer coisa.

Por isso, eu queria uma coletânea que tivesse sua história e contos até numa ordem indicada, mas que funcionaria em qualquer situação: em conjunto ou individualmente. Também tinha temas complexos que queria trabalhar e investi numa estética que é complexa, mas que faz todo o sentido com a proposta.

Os contos.

Pra essa coletânea, selecionei três contos publicados recentemente: Abrakadabra (que saiu a primeira vez independente e depois foi para o Carcarás, da Editora Corvus), La Mazka (que já nasceu parte do Carcarás) e Schizophrenia (que está na coletânea Sertãopunk: Histórias de um Nordeste do amanhã). Fiz outros três: Hypnofrenose, parte 1; Todos os sonhos dos homens; Soro. Sobre o processo de criação de cada um dos três eu prefiro falar separadamente.

Pra conectar as seis histórias, acontecimentos em comum e articulei alguns personagens nos contos novos, mas acho que o que representa melhor as conexões são os medos em comum e como eles são trabalhados através da psicodelia.

Estado Hipnogógico (ou hipnagógico, já encontrei com as duas escritas na internet) é o momento do sono antes da fase REM (a mais profunda), onde os sonhos se formam. É, também, a fase mais criativa. Por ser o momento da formação das imagens que vão formar os sonhos, é quase um período de descolamento da realidade.

P.S: Acho que “hipnogógico” soa melhor do que “hipnagógico”, então mantive assim. Talvez precise mudar pra evitar erro de grafia, mas pelo menos por enquanto, vamos tratar como neologismo.

Parte da proposta estética é, justamente, trazer a sensação de fragmentação, tanto em questão de temporalidade (o que acontece em um conto x quando o mesmo acontece em outro x como a mesma coisa em dois momentos diferentes formam uma terceira), mas também na percepção do real. O que pode ser considerado uma realidade e uma quebra? Onde estão os gatilhos que levam o personagem do ponto A ao ponto B, por exemplo.

O que esperar.

Agora que entramos no processo de edição, alguns alinhamentos precisam ser feitos pra deixar todos os pontos das histórias dos contos (e da história pano de fundo) alinhados com o material anterior. E, também, pra deixar todas as mensagens alinhadas o suficiente.

O que eu espero, particularmente, ainda não sei, mesmo sabendo que é a coisa mais confortável que fiz em algum tempo. Mas existe um caminho. A exploração desse caminho é a parte mais legal.

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