Pós-terror, estética e branquismos

Terror bom é terror bonito ou terror bonito é terror bom?

Nós (brasileiros e latinos) vivemos no mundo ocidental. Temos nossa identidade cultural, reforçamos nossas raízes e falamos sobre a gente, mas estamos no lado ocidental do globo. Muito influenciados pela filosofia ocidental, as belas-artes ocidentais, a política, linguagem, enfim. Tudo isso condiciona nossa forma de ver o mundo.

A ideia da beleza, também. Nos últimos tempos, a “estética” tem ganhado espaço quando o assunto é divulgar um trabalho artístico ou vender um produto. A estética atrelado refino da arte. Sobretudo no terror, com o movimento do pós-terror. Mas uma coisa interessante é que a própria palavra, que vem do grego aisthētikós, denota percepção: aquele que nota, que percebe.

Esse espaço vai ser pra gente pensar em conjunto o que são as ideias de beleza ocidentais e como a estética é aplicada no terror, mesmo quando não parece tão “estética” assim.

Estética x proposta estética

Já falamos um pouco lá em cima, mas estética vem da percepção. Mas pra além disso, temos outros significados: algo que denota bom gosto, algo que visa o embelezamento do indivíduo, bom gosto e outro bem interessante: algo referente à qualidade de obras artísticas. Pensando nas sete belas-artes (pintura, escultura, música, literatura, dança, arquitetura e cinema), faz sentido fazer a leitura desse significado e pensar em como vemos essas expressões.

Pensemos em pinturas, por exemplo. Quando você pensa numa estética que te agrada numa pintura, o primeiro resultado na sua cabeça é algo assim?

"Death of Messalina" (entre 1704-1712), de Francesco Solimena

Ou assim?

“Philistines” (1982), de Jean-Michel Basquiat

Ainda que ambas sejam pinturas, estamos falando de épocas, técnicas e movimentos artísticos diferentes. E com propostas estéticas diferentes. Mas a proposta estética europeia é muito mais associada ao entendimento do que é estética do que vista como realmente é: uma proposta estética. Isso acontece na música, quando a harmonia e melodia ganham mais destaque na Academia do que o ritmo, ou na arquitetura contemporânea, com grandes blocos de apartamentos minúsculos dominando todas as metrópoles, sem espaço pros entendimentos sobre moradia de cada povo ou região. São condicionamentos sociais pra vermos o mundo de um determinado meio.

A proposta estética tem objetivo definido. Pode ser a aplicação de algo que se entende como belo, mas também pode ser uma experimentação pra algo que a própria percepção de beleza não responde. Bauhaus é, também, uma proposta estética, diferente do trash design, e que podem ser vistas como belas em separado, sem uma anular a outra.

É importante termos em mente a diferença entre estética x proposta estética porque nem tudo o que é belo tem uma boa proposta estética, assim como não ser belo é diferente de não ter uma proposta estética. Principalmente no terror.

Estética no pós-terror

O terror é um dos gêneros literários mais fáceis de se adaptar para o cinema porque ele é barato para se produzir. Desde que se tenha um bom dom domínio das técnicas para se fazer cinema, dá pra fazer. Filmes como Chucky (1988) e até o primeiro Jogos Mortais (2004) tinham muito menos apreço por tomadas muito bonitas, com um super design de produção envolvido ou uma montagem desformatada, por exemplo. Mesmo assim, se tornaram clássicos do gênero, seja pelo humor ou pelo gore (nesses dois casos).

Hoje, com o pós-terror ganhando mais espaço na indústria cinematográfica estadunidense, que prioriza uma proposta estética em detrimento de outras, é muito mais fácil vermos filmes de terror fazem do visual o grande diferencial. A A24, por exemplo, tem uma série de filmes belíssimos, com um design de produção impecável e muita liberdade artística. Acho superimportante termos filmes do gênero com um refino técnico maior.

Mas algo que percebo, também, é a repreensão ao trash. Os filmes trash também possuem uma proposta estética e convenções que fazem sentido com o que querem passar, mas nessa batalha de narrativas o que é ou não estético no cinema de terror, os filmes menos "plásticos" ficam de lado. Pior: muitas vezes são tratados como ruins por não estarem adequados ao padrão estético. Isso é prejudicial ao gênero: além de não podermos tratar um padrão de produção como o ideal, também não podemos relegar o que não atinge às nossas percepções pura e simplesmente.

Você pode até achar que algo assim:

Midsommar, 2019

seja mais bonito que algo assim:

A coisa: o enigma do outro mundo 1982

Mas um não precisa se adequar ao outro pra ser validado. Nem o trash precisa ser polido, bem enquadrado e multireferencial, assim como as novas produções não precisam abrir mão da proposta estética delas. Desde que ambos contem boas histórias, é tudo o que importa.

Como chegar numa proposta estética?

Não existe certo ou errado em relação à estética de uma obra. Mais importante do que as referências visuais, ou o tipo de cena que se queira construir, a proposta estética precisa estar alinhada com a crítica e o subtexto.

Na literatura, fica mais fácil vermos a proposta estética de uma obra quando a gente observa alguns pontos: ambientação, escolha de narrador, época em que se passa a história, prosa do autor e por aí vai. O projeto gráfico conta muito também. A junção da parte gráfica com a literária vai criar essa proposta. Até porque livros são uma mídia impressa e ver essas variações estéticas só pela capa é um tanto quanto raso demais.

Você vai encontrar obras muito mais duras e diretas (como Rinha de Galo, da Maria Fernanda Ampuero), obras com mais espaço pra divagações entre os personagens e narrador (As Coisas que Perdemos no Fogo, da Mariana Enriquez), obras que se aproveitam muito do narrador limitado pra direcionar o leitor (Ilha do Medo, Denis Lehane), obras que te pegam pelo sombrio (O Demonologista, Andrew Pyper) ou pelo diferente (A Trama da Morte, Lucas Santana).

Ter uma ideia na cabeça é importante, mas a forma mais adequada pra se contar uma história pode não ser a que você gosta mais. Você pode adorar a escrita do Joe Hill, mas replicar a prosa dele pode não funcionar pra sua história, por exemplo.

O que eu tento fazer é abrir o leque de possibilidades: ir buscar referências em outras artes, faço muita pesquisa visual e tento experimentar coisas novas. Trabalhar com sinestesia, rimas dentro das frases, quebrar um pouco a linearidade da história são coisas que me ajudam a mostrar a proposta estética que escolhi. Aqui entra a calma, a busca por referências e escolhas. Sem querer atingir nenhum lugar que não seja onde a história precisa chegar.

Filme de terror com lipo lad? Harmonização facial no Freddy Krugger? Se o Ari Aister tivesse dirigido O Cemitério Maldito deixaria de ser ruim e viraria cult? Pós-terror ou não, uma boa escolha de lentes é tão importante quanto boas escolhas narrativas. Sem os dois lado-a-lado, não tem estética que dê jeito.

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