Tendências do terror para 2023

ou "o que eu acho que pode funcionar"

Historicamente, o terror seguiu ondas de tendências, que consolidaram personagens, criaturas, estruturas narrativas e estabeleceram grandes nomes. O que não deve mudar para o futuro: com a velocidade que se consegue produzir, seja um livro ou um filme para streamings, teremos mais inovações e pontos interessantes para trabalhar no terror.

O clássico jamais deixará de existir. Isso não quer dizer que não possa ser trabalhado de outras formas. Nessa news, vou trazer conceitos e temáticas que podem ganhar destaque a partir de 2023.

Slasher.

Soa irônico começar com o slasher porque, bem, ele nunca saiu de moda. Dificilmente sairá algum dia. A ideia de um spree killer invadindo sua casa pra te matar (ou pegando você e seu grupo de amigos desprevenido) é um dos medos estadunidenses mais vendidos pela indústria.

2022 mostrou que, sim, o slasher ainda está com força máxima. Pânico 5 consolidou o renascimento da franquia, iniciado com a série de 2015. Já Halloween Ends decepcionou em crítica e narrativa, ainda que esteja no bolo das grandes franquias que figuraram em 2022. O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface, por outro lado, mesclou trash com slasher, trazendo pitadas de criticismo social exacerbado, uma assinatura da franquia desde o segundo filme, na década de 80.

Mas, o que mais chamou a atenção foi X — A Marca da Morte, que trouxe todo o peso do slasher mesclado com refinamento técnico, história envolvente e boas atuações. Jenna Ortega e Mia Goth, inclusive, já estão entre as novas queridinhas de Hollywood. Anna Joy-Taylor que se cuide.

Na literatura, o destaque vai para Sobreviventes da rua 4, de Victor Marques. O autor carioca trouxe uma série de referências, juntou slasher, policial e mistério e entregou uma ótima história, assim como tinha feito em Noite Feliz?, no final de 2021.

A verdade é que, entra ano, sai ano, jamais se deve subestimar o poder de um bom slasher.

Ficção científica e terror.

Desde Mary Shelley com Frankenstein ou o Moderno Prometeu que ficção científica e terror possuem uma relação íntima. Essa mistura já trouxe pérolas como A Bolha Assassina (1988) e clássicos modernos como Extermínio (2002). Mas ano passado, essa parceria ganhou novos capítulos com Prey e Não, não olhe!; enquanto um renovou mais uma franquia clássica que já estava cansada de apanhar, revelando talentos e apresentando novas facetas de um personagem já consagrado, o outro mostra o porque Jordan Peele se tornou um dos principais diretores do gênero na última década.

2023 mal começou e... temos M3GAN. O subgênero de brinquedos assassinos é uma delícia, mas o frescor que adicionar uma inteligência artificial à história e criar momentos que são pensados pra viralizar faz do novo filme de Gerard Johnstone um objeto de estudo interessante, eu diria.

Ainda sinto falta de mais inovação no subgênero de ficção científica e terror. Com metaverso, novas pesquisas biológicas, rastros de uma pandemia global e política partidária problemática em grande parte do mundo capitalista ocidental, ainda há espaço para crescimento desse segmento.

Criticismo sociopolítico.

As histórias de super-heróis estadunidenses colocaram no imaginário global de que os Estados Unidos salvam o mundo. A pandemia, com os EUA comprando todos os estoques de suprimentos médicos e vacinas, colocando países asiáticos e africanos pra sofrer com a pandemia. Essa mudança de paradigma faz com que a nova fase da Marvel (junto a outros fatores) seja menos lucrativa e atrativa do que as demais.

Com o terror, o mesmo aconteceu. Depois de passarmos por décadas de sucesso, sobretudo entre os anos 70 e 80, os anos 90 trouxeram ótimos momentos, como o clássico do terror cômico A Noiva de Chucky (1998), o já citado Pânico (1996) e Ringu (1998), um deleite do terror japonês. Fato é que, nos anos 2000, as histórias do gênero passaram por um momento de falta de profundidade em suas narrativas e bizarrices nasceram, como Alien vs Predator (2004), Freddy vs Jason (2003) e Olhos Famintos 2 (2003), sendo que este último particularmente me incomoda por ser uma continuação desnecessária de um filme excelente.

Mas, nos anos 2010, tivemos a cresce do chamado pós-terror. O Babadook (2014) puxou uma fila que trouxe novos diretores, plots, fotografia, experiências com trilhas sonoras e montagem, o que elevou o terror para a crítica. O ponto alto dessa nova leva, além do refinamento estético, está na capacidade de apontar problemas sociopolíticos nas narrativas, trazendo o medo do mundo a nossa volta de forma distorcida e complexa, como só uma entidade, casa mal assombrada ou assassino em série pode. A aposta para 2023, ao menos no cinema, é Beau is Afraid, novo filme de Ari Aster (Hereditário e Midsommar).

Vejo essa tendência, principalmente partindo das frentes latino-americanas e africanas (uma vez que somos nós, muitas vezes, os prejudicados pelas políticas do norte global), servindo como pano de fundo de narrativas cada vez mais estruturadas e refinadas.

Apostas.

Gótico Nordestino, de Cristhiano Aguiar, foi publicado em 2022 e reascendeu o olhar sobre o gótico na literatura. Movimento esse que, de muitas formas, se assemelha com o ponto anterior: a mescla de influências artísticas e arquitetônicas fortaleceu diretamente o criticismo sobre o materialismo burguês num momento de crescimento do capitalismo e de transição entre as Revoluções Industriais. Muito do que conhecemos hoje, como o terror clássico, nasce do gótico.

O retrato de Dorian Grey (1891), de Oscar Wilde, O estranho caso de Dr. Jeklly e Mr. Hyde (1886), de Stevenson, O castelo de Otranto (1764), de Horace Walpole e o já citado Frankenstein (1820) são apenas exemplos do quanto esse movimento fomentou a literatura de terror, suspense e horror entre os séculos XIX e XX, como em Drácula (1897) de Bram Stoker, e no conto A Pata do Macaco (1902), de W. W. Jacobs e que virou filme em 1948, dirigido por Norman Lee (ainda que esse último tenha algumas problemáticas que vale a pena conversarmos num próximo texto). Fato é que o gótico deixou marcas profundas nas bases do gênero e ainda segue relevante.

2023 tem tudo para ser um ano interessante, no mínimo, para o terror e suspense. Estabelecimento de novas temáticas e características, aliado ao poder de crítica nativo do gênero é o caminho. Ao menos, é o que acredito que pode funcionar.

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