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O terror tem um "melhor formato"?
Conto, romance, coletânea: o que cada formato tem a oferecer?

Existem uma infinidade de formas de se contar uma mesma história. A humanidade é prova disso. A quantidade de linguagens e ensinamentos passados através delas não cabe num texto. Quando falamos de literatura de terror, também, mas alguns formatos são mais comuns do que outros.
Seja pela tradição ou estrutura do mercado literário, várias narrativas brilharam em formatos diferentes. “William Wilson” do Poe e “It” de King são boas histórias do mesmo gênero, mas em formatos diferentes, o que leva a resultados diferentes. Tanto narrativos quanto mercadológicos.
Nesse texto, quero pensar em como certos formatos podem ajudar a construir boas histórias, mas também como se pode consumir boas histórias em formatos distintos. Não é uma regra de "sua história precisa ser assim” ou “top maneiras de escrever terror”, mas “como posso aproveitar melhor minha ideia". Isso vale pra quem é iniciante no gênero, mas também pra quem não é.
Contos
Se existe algo no DNA do terror enquanto gênero literário, são os contos de terror. As penny dreadfuls eram revistas baratas e com histórias curtas, o que faziam dessas, consumos ligeiros de literatura. Talvez por isso seja tão importante pro autor de terror também ser bom contista.
Não vou entrar em critérios como quantidade de palavras para diferenciar um conto de um romance, prefiro tratar pela complexidade da trama. Isso não quer dizer que você não possa adotar os seus critérios.
Contos exigem não só resoluções mais rápidas, mas inteligentes, além de um poder de síntese maior na hora de pensar no que contar. Às vezes, uma boa ideia é boa por uma parte dela, e não o todo, e essa parte por si só já renda algo interessante. Nada impede, também, que uma história curta se transforme em algo maior. O conto “Histórias da sua vida”, de Ted Chiang, foi a base do roteiro do filme “A chegada”, filme de Dennis Villeneuve. “A queda da Casa Usher”, também do Poe, virou uma minissérie de Mike Flanagan. E são só alguns exemplos de histórias curtas que também podem inspirar coisas maiores.
O problema dos contos é a distribuição. Em formatos impressos, é quase impossível publicar apenas um único conto, por melhor que ele seja, por conta dos custos algos da produção do livro. Plataformas como Amazon e Wattpad dão uma sobrevida maior pro formato, já que você não tem essa restrição e pode cobrar o quanto achar justo.
A melhor saída são revistas literárias. No Brasil tivemos várias, como Diário Macabro, Suprassuma, Égua Literária e outras que, mesmo não exclusivas do terror (como no caso da primeira), também publicaram bons autores e contos do gênero.
Para autores iniciantes, acho importante ter habilidade com contos, justamente pra treinar o processo de filtragem de ideias. Saber diferenciar o "isso é legal, dá pra fazer um conto" do "isso é legal, dá um romance" facilita muito a vida do escritor. Talvez algumas ideias só fiquem claras de fato no papel, mas saber resumir bem uma ideia e contá-la de um jeito legal é uma parada poderosa no terror.
Coletâneas e antologias
Se um conto só pode ser pouco, as coletâneas dão um “jeito” nisso. As antologias fizeram bastante sucesso entre as editoras menores na última década, principalmente com o crescimento de plataformas tipo o Catarse, o que levou muita gente a publicar (eu, mesmo, publiquei em algumas). Com mais histórias, fica mais fácil se chegar num miolo administrável e imprimível sem ter tantos prejuízos.
Coletâneas, muitas vezes, acontecem num mesmo universo, onde os autores escrevem sobre o mesmo tema/acontecimento. O quanto pode ser flexível variar ou não dentro da proposta vai depender de caso a caso, mas por via de regra, as histórias precisam ter sinergia (repare que não disse que precisam estar ligadas entre si, mas ressoarem como uma coisa só).
Sobre coletâneas com vários autores, existem prós e contas: você vai estar acompanhado de outros escritores, e vai conhecer outras histórias legais, visões diferentes e também mostrar seu trabalho. Mas talvez, nem todo mundo queira ler a sua história. É comum antologias convidarem autores de maior renome pra impulsionar a divulgação; você pode ser descoberto no meio da leitura de alguém ou acabar não tendo tanto destaque. Como receber isso vai da extensão do ego de cada um.
Quando o assunto são coletâneas autorais, aí a coisa muda de figura. Porque não é somente uma ideia de uma história curta num universo, mas um universo que permita várias histórias curtas coexistindo. Se no caso da coletânea com vários autores se tem um organizador pra selecionar e montar a ordem, a fluidez das histórias e pensar no todo (e que pode ou não também escrever para o projeto), nas coletâneas autorais, esse é um trabalho individual, e que exige mais experiência do autor. Sobre como isso pode ser feito, recomendo "Inventário de predadores domésticos", da Verena Cavalcanti, e “Rinha de galo", de Maria Ampuero, mas existem diversos outros exemplos tão bons quanto.
Em vendas, mais alguns contras. No caso das coletâneas de vários autores, quantidade não significa lucro. Um projeto cheio de autores desconhecidos vende tanto quanto um projeto individual de um autor desconhecido. Isso sem falar na distribuição de royalities, que não escala com a quantidade de gente escrevendo. Nas individuais, também se torna difícil publicar de saída uma coletânea solo, já que o mercado historicamente trabalha com romances de entrada. Mas, se pensando em novos formatos, pode ser sim interessante, já que é mais fácil pro leitor escolher quando quer ler e qual história ler. Vai do critério de cada um.
Romances

Falei um pouco acima, mas romances são o formato mais usual do mercado. Em qualquer época, os maiores clássicos e best sellers do gênero foram romances únicos. No terror, é difícil encontrarmos grandes séries literárias, com seis, oito livros, como na fantasia, ainda que existam algumas — "O iluminado" e "Doutor Sono" talvez seja um caso mais conhecido, mas "O bebê de Rosemary" também tem um segundo livro, “O filho de Rosemary”, por exemplo.
Romances te permitem contar a história que quiser, no ritmo que funcionar melhor pra ela. Nesse formato, o tamanho da história importa menos do que a condução dela. É mais importante pro autor, na hora de pensar num romance, explorar aquilo de uma forma interessante, independente do tamanho final do livro. Claro, um calhamaço pode ter mais dificuldades em ser aceito numa editora tradicional, mas esse não é um problema que você precisa pensar no processo de escrita.
No fim do dia, romance é o formato menos arriscado, o que traz retorno mais sólido, mas que também exige mais paciência e planejamento na execução da ideia.
Não tem jeito certo de escrever. Errado, mesmo, é não colocar a ideia no papel. Cada tipo de ideia casa melhor com um formato, mas o que não é escrito, não existe. Na dúvida, escreva.
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