Não tem nada demais fazer igual a todo mundo

Alguém já teve a mesma ideia que você.

Sabe aquele filme de terror em que um grupo de pessoas, que aparentemente não tem muita coisa em comum e não se dá tão bem assim, resolve fazer uma viagem juntos, usam e abusam de drogas e bebidas, se perdem no caminho e são perseguidos por um grupo de assassinos misteriosos sem nenhum motivo lógico aparente?

Se chutar uma moita de filmes do gênero, uns trinta assim saem correndo imediatamente.

Já falei em outras oportunidades como o slasher é o moto perpétuo do terror e como aspectos sociais, culturais e até raciais fundamentam certas percepções de monstros dentro do gênero. Hoje, queria falar especificamente sobre Um clássico filme de terror, do diretor italiano Roberto de Feo, que tá lá na Netflix.

Tá, é só mais um filme de terror

O primeiro parágrafo da newsletter serve como um resumo rápido do filme. Não morri de amores, mas para além de falar do que acho bom ou não, queria pensar em como o medo, ou a ideia de medo estadunidense, é repetitiva e soa desconexa quando posta em paralelo com outras realidades.

Em nenhum momento, Um clássico filme de terror tenta se vender como algo que não é. Personagens, montagem, trilha, roteiro, tudo vai te remeter a Sexta-feira 13, Floresta do mal, Olhos famintos, Massacre da serra elétrica e qualquer outro slasher que se passe numa região deserta com muito mato.

Em alguns momentos a direção até se esforça pra trazer algumas características do cinema italiano, como o uso de cores quentes (sobretudo o vermelho, que entra muito em cena), iluminação natural, mudanças na estrutura da narrativa (não vou dar spoilers, mas vocês vão saber se assistirem), e as cenas de morte até que são interessantes, uma vez que vemos menos do grotesco (ainda que esteja lá) e mais do espaço em volta. No momento que a história tenta ser algo que ela não preparou o espectador pra ser, o caldo entorna e você fica meio “tá, é só mais um filme de terror”.

Todos os anos, dezenas de filmes de terror são lançados. Tem pra todos os gostos: terror católico, possessão demoníaca, seita, slasher, “terror psicológico” (entre aspas mesmo, porque esse termo não faz o menor sentido). Mas quando tivemos a última grande ideia dentro do cinema de terror?

É justamente o ponto que queria chegar. São as histórias de terror que estão se tornando repetitivas ou nossas ideias sobre o gênero que não dão esse passo além?

É possível criar diferente quando todo mundo faz igual?

Talvez as franquias que mais tenham oferecido ao gênero no século sejam Premonição e Jogos mortais (esticando a corda mais um pouquinho pra cerca de 30 anos, a gente consegue trazer Pânico, que também é um marco do terror), no quesito de se pensar em como contar histórias de outra maneira mantendo o apelo comercial. No caso de Premonição temos a união do filmes-desastres famosíssimos na virada dos anos 90-2000 com o sobrenatural; já Jogos mortais mescla narrativas, tempos, tem um protagonista extremamente complexo e até emula um discurso moralista pra se sustentar. Obviamente que nem sempre essas ideias serão bem executadas e essas duas franquias são a prova disso.

Individualmente temos diversos exercícios criativos interessantíssimos: A bruxa, Fale comigo, Os outros, A lenda de Candyman, Corra!, Garota infernal, Atividade paranormal, A bruxa de Blair; a lista de filmes influentes é enorme. Boas ideias existem e nem sempre vão se transformar em rios de dinheiro, mas também podem servir de influência pra outras obras.

Só que até onde vai nossa capacidade de reaproveitar referências pra construir histórias descentralizadas de verdade? A Itália é um dos países mais importantes pra história do cinema como conhecemos, os caras fizeram do neorrealismo ao western spaghetti. Se Um clássico filme de terror se chamasse Um clássico filme de terror italiano, sem precisar trazer influências de Visconti, Rossellini e mais um monte de outros diretores que só os Ed Motta da vida conhecem, as percepções seriam diferentes? Ou veríamos ele na Netflix ou em algum festival de circuito de cinema?

O que sinto com relação ao gênero é que ficamos presos dentro de um ringue onde, de um lado temos o medo de fazer algo diferente com o que temos em mãos e não sermos compreendidos ou vistos, e do outro, a vontade de explorar mais e não ter referências ou companhia pra se apoiar. Talvez por isso tudo soe tão igual. Nesse sentido, melhor fazer igual a todo mundo, mas se puder, não o faça.

Antes de ir, dois recadinhos: um pra galera de Salvador e região, outro pra galera de São Paulo que vai pra Bienal do Livro 2024.

Dia 6 de setembro estarei na Biblioteca dos Barris, às 15h, falando sobre terror e literatura de ficção à convite da galera do Cine Horror, acompanhando uma galera bem legal e que tô doido pra acontecer. Pra quem puder ir, o endereço é R. Gen. Labatut, 27.

Segundo recado: vou estar presente também na Bienal de São Paulo, nos dias 8, 14 e 15 de setembro. Não tenho mesas nem estandes esse ano, mas estarei no evento e vou adorar trocar ideia com todo mundo que encontrar por lá.

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